Cento e Oitenta luas Brilhantes
Esta será uma época especial no reino
de Ágalos, pois no próximo segundo dia de lua brilhante, será aniversário de
Fhilos, que estará completando cento e oitenta luas brilhantes. Após esta data,
ele deixará de ser criança. Esta é uma data importante para o povo Agalonense,
porque representa o início da passagem da inocência para a maldade. É uma fase
onde os jovens passam a ter contato com sentimentos, como: inveja, egoísmo,
desânimo... E são constantemente perturbados por sonhos e pesadelos que se
parecem reais. Logo, é nesta fase que a
mente começa a passar por muitos conflitos e desafios.
Fhilos está sempre pensativo e ansioso em
como será essa nova etapa em sua vida. Questiona sempre se será capaz de
controlar essas tormentas mentais, que terão seu início na data de seu
aniversário. Ele não se sente tão forte quanto um Agalonense, pois sabe que
suas habilidades são para as lutas e guerras e não para o controle da mente.
O jovem está desenvolvendo um bom porte
físico, somado a um rosto com expressão de seriedade misturada com inocência,
tudo isso reunidos a belos cabelos vastos, encaracolados e compridos. Sempre
foi uma criança muito obstinada e, às vezes, age com certa impulsividade, por
isso era sempre alertado pelos pais a pensar mais antes de qualquer atitude.
Quando o menino nasceu
no reino de Príamo que ficava localizado ao sul do Quarto mundo, o local era
constantemente, atacado pelos Sardes. Estes eram povos bárbaros que queriam a
todo custo roubar a “Chama Sagrada,” que ficava no Monte Uram. A Chama Sagrada
servia para levar luz e força para os priamenses, pois impedia que as Sombras
do Mal chegassem e escravizassem o povo.
O objetivo dos bárbaros era obter a chama para iluminar o caminho,
espantando assim a energia e os poderes das sombras definitivamente. Com isso,
poderiam cruzar as fronteiras de todos os outros reinos e roubar os elementos
sagrados, deixando os povos vulneráveis e desorganizados. Com isso, facilitaria
a sua escravização.
Os elementos fogo, ar, terra e água
foram presentes dados pelo deus Ilium, que era protetor do Quarto Mundo, a seus
habitantes. O deus presenteou cada lugar
com uma força. Deu a Príamo, que se localizava ao sul, a Chama Sagrada: o poder
do fogo. Este era um elemento muito poderoso e indomável, devendo ser usado com
respeito e cuidado.
Ao reino de Helai, entregou a terra para ser guardada no
Templo do Poder. Tal elemento representava a fertilidade, riqueza e a segurança
do local. Helai ficava situado ao norte.
Entregou ao povo de Aqueus,
que ficava na fronteira oeste, o pote que continha a Água da Vida. Ela tinha o
poder de curar todos os males do corpo físico. Muitos guerreiros, considerados
evoluídos pelos mestres dos templos, vinham de todos os pontos para beber uma
gota da Água da Vida, curando assim as feridas que os atormentavam depois das
batalhas.
E por fim, entregou ao
povo de Ágalos, que ficava a leste do Quarto Mundo, cinco cristais de
diferentes tamanhos. Eles ficavam pendurados por fios de ouro, recebendo o nome
assim de Mensageiro dos Ventos. Quando o ar soprava naquele reino, o Mensageiro
soava uma pequena e suave melodia. Com isso, ele, através de seu som, sempre
lembrava aos nativos sobre as dificuldades de domínio de si mesmo. O elemento
Ar é muito inconstante, ou seja, é muito difícil defini-lo, assim como as
mentes dos Agalonenses.
Quando os Sardes bárbaros conseguiram dominar Príamo e roubar
a Chama Sagrada, o povo foi destruído pelos poderes maléficos das sombras que
enfraqueceram os guerreiros. Depois disso, eles ficaram covardes e fracos, pois
precisavam da luz do fogo para iluminá-los. Alguns deles lutaram com os
bárbaros, mas não restou nenhum habitante adulto em Príamo.
Os pais verdadeiros de Fhilos foram mortos logo assim que o
fogo foi roubado. Eles faziam parte da Cúpula dos Onze Sacerdotes que cuidava
da Chama, deixando o menino ainda bebê sozinho, com apenas três luas brilhantes
de vida.
Essa é a única história que Fhilos sabe sobre o seu passado. Ele
chegou a Ágalos ainda bebê, trazido por um sacerdote muito doente e ferido. O
homem veio a falecer após ter chegado com o menino nos braços e o entregado a Héctor,
um agalonense já ancião que cuidava, junto com sua mulher Tomisa, da biblioteca
sagrada do local.
Fhilos passava a maior parte do tempo ao lado do pai,
arrumando, limpando e emprestando os livros aos moradores que estão sempre
buscando conhecimento sobre si. A grande biblioteca ficava localizada na parte
central da cidade, ao lado do mastro onde está pendurado o Mensageiro dos
Ventos. Era um casarão antigo. Suas paredes eram feitas de grandes e pequenas
pedras nas mais variadas cores. Ao centro da sala principal, uma pedra angular
sustentava toda aquela construção. Nela havia vários símbolos estranhos e
desconhecidos pintados na cor azul, que mais pareciam rabiscos de quem está
aprendendo a desenhar.
Mas o que o menino
gostava era de ficar no porão da biblioteca, que mais parece um labirinto, todo
empoeirado e cheirando a mofo. Lá estavam os manuscritos dos antigos Sacerdotes
da sabedoria. São livros grandes e pesados, feitos de peles de atrós branco. Os
sacerdotes utilizavam a magia para escreverem as velhas histórias. Hoje, muitas
pessoas que vivem no Quarto Mundo acreditam que essas histórias são apenas
lendas.
Em uma manhã, Fhilos resolveu ir mais cedo para o porão a fim
de encontrar algum livro antigo que falasse sobre magia. Contudo, o que
encontrou foi um ninho de lero-leros. Eles eram animais bem pequenos com
chifres pontiagudos e amarelos. O pelo era branco e crespo e com cheiro bem
desagradável, que lembrava o fedor de fezes de atrós misturados com ovos chocos
de galus. Quando os bichos perceberam a
presença do menino, começaram a piar cada vez mais alto. Nesse instante, houve
uma grande surpresa, a mãe dos pequenos animais apareceu e começou a fincar seus
grandes chifres na cabeça de Fhilos. O garoto saiu correndo pelos corredores
desesperado para encontrar a porta de saída.
Quando chegou à entrada principal da
biblioteca encontrou Hector, seu pai adotivo, acompanhado por uma menina. Ela
tinha a pele morena clara, com longos cabelos negros com mechas douradas, seu
rosto passava uma expressão um pouco felina. Sua roupa era feita de pelos de
grelá, um animal lindo, delicado de cor azul. Dizem que era o animal preferido
do deus Ilium, no tempo em que ele passeava pelo Quarto Mundo. Ela aparentava
ter uma idade de mais ou menos, cento e cinquenta e seis luas brilhantes. O jovem ficou paralisado ao ver a menina e
somente se despertou, pois o velho ancião o chamou e disse:
- Fhilos, venha aqui e ajude Sofie a encontrar
o livro que relata sobre as magias brancas para bruxas iniciantes. Estão
localizados na estante perto da terceira grande pedra rosa.
Ele foi fazer o que o pai lhe pedira sem dizer
uma palavra. Ainda estava muito assustado com o ataque que sofrera da mãe dos
lero-leros e não conseguia pensar direito.
Enquanto estava distraído procurando o livro
que a visitante queria, ouviu pela primeira vez a voz de Sofie que mais parecia
uma melodia de acalanto, dizendo:
- Quer que eu te ajude a procurar? Minha tia disse que o
livro é branco com um desenho de um olho impresso na lateral.
- Não! Já encontrei. Obrigado!
- Agradeço eu - disse ela.
- Só não sei o que você vai fazer com ele, pois está todo
escrito em éfiros. É uma língua morta que o povo antigo utilizava para se
comunicar com os dragões e aprender com eles sobre magia e sobre os segredos
dos mundos.
-
Eu sei disso, Fhilos. Minha tia Zoé está me ensinando a entender éfiros para que
eu possa aprender sobre a magia branca.
- Então, você é uma
bruxa?
- Não sou e nem
pretendo ser. Quero ser uma feiticeira e ajudar as pessoas com magia Branca.
- Qual a diferença? -
perguntou Fhilos.
- Ora, garoto! As Bruxas são más, enquanto que
as feiticeiras têm o poder da escolha entre o bem e o mal.
- Sofie, então você
pode me ajudar a ler os livros dos Sacerdotes da Sabedoria, que estão lá no
porão da biblioteca, pois eles foram escritos em éfiros.
- Mas, por que você
se interessa por este assunto, menino?
- Bem, depois eu te
conto. Vou primeiro abrir as janelas do porão para que o sol espante aqueles bichos,
com cheiro desagradável, que estão morando lá. Assim, poderemos estudar em paz.
Com um sorriso
malicioso, ela foi saindo e disparou:
- Eu não disse que
aceitaria te ajudar a ler e entender os livros dos Sacerdotes.
- Ah! Mas eu sei que
você não vai resistir, aprendiz de bruxa... Desculpe feiticeira. Espero-te
amanhã neste mesmo horário.
- Está bem! Garoto
forte. Até amanhã!
Sofie mora nos arredores de Ágalos junto com sua mãe e a tia
Zoé. Essa velha tia é uma feiticeira que não faz uso dos poderes da magia, pois
nunca se achou digna e capaz o suficiente para exercer tal tarefa. Mas via e
sentia que a menina seria uma aluna excelente, uma pessoa que ela poderia
ensinar tudo que sabe. Tinha, portanto, essa certeza, pois Sofie tinha força,
coragem, determinação e muita disciplina. Mas não era só isso. Possuía o
principal ingrediente: um bondoso coração.
Ela sempre dizia à sobrinha que uma feiticeira
precisava ser forte para resistir à tentação que o poder traz. Geralmente, ele
vem acompanhado de arrogância e orgulho, deixando as pessoas que não estão
preparadas sem o domínio e controle de suas mentes. Então, com isso, não
precisaria de mais nada para que uma feiticeira se tornasse bruxa.
A ansiedade tomou conta de Sofie,
afinal ela iria ampliar seus conhecimentos em magia branca. Teria contato com
as fórmulas e poções utilizadas nos tempos antigos, fórmulas estas esquecidas e
abandonadas através dos anos. Mas ao mesmo tempo, ela queria descobrir o porquê
daqueles livros dos Sacerdotes da Sabedoria estarem guardados e esquecidos no
porão da biblioteca. Uma riqueza assim pensava a menina, deveria estar aberta e
disponível a todos de Ágalos.
No horário combinado, Fhilos estava
inquieto e nervoso só esperando a sua nova amiga chegar. Pensava se realmente
ela viria, pois afinal eles mal se conheciam. Até o velho Héctor percebeu o
estado de ansiedade do filho e comentou com Tomisa, se o menino havia comentado
o que o afligia. A mulher lhe respondeu meio que sem dar muita atenção à
pergunta, que essa atitude era normal na idade do filho.
O casal de bibliotecários já estava em
uma idade bem avançada para um Agalonense. Quando se casaram, decidiram que não
iriam ter filhos, portanto só viveriam para cuidar um do outro e do trabalho.
Adoravam zelar pela riqueza que estava naquela biblioteca, afinal todo
conhecimento que o reino possuía, estava registrado naqueles livros. Quando o
menino apareceu na vida deles, perceberam que aquela situação só poderia ser
coisa do deus Ilium. Pois não fazia sentido que um habitante do reino do sul
fosse criado em Ágalos. Se os deuses criaram os quatro povos, cada qual com a
sua especialidade e destino, como o pequeno Fhilos, de estrutura guerreira
conseguiria dominar os poderes do intelecto?
Mas à medida que ele foi se desenvolvendo,
os pais perceberam que o filho tinha uma boa disposição para o aprendizado. Por
ser muito curioso e dedicado aos ensinamentos dos mestres do reino escolar,
seus pais nunca se preocuparam que o garoto passasse boa parte do tempo em um
ambiente tão desagradável, como era o porão da biblioteca.
Sofie
chegou toda apressada. Queria ir logo conhecer, sentir e folhear aqueles livros
maravilhosos. Não importava com o tempo
nem com o mau cheiro que exalava daquele local. Provavelmente, os lero-leros já
tinham ido embora incomodados pela luz do sol. Então, os dois amigos poderiam
fazer seus estudos sossegados.
Eles
caminharam para a grande e pesada porta que dava acesso à parte inferior da
biblioteca. Começaram a descer as escadas e logo dava para sentir o cheiro de
mofo misturado com poeira. Então, a aprendiz de feiticeira perguntou:
-
Você não fica enjoado de ficar nesse lugar por muito tempo sentindo este ar?
Ele
começou a rir, dizendo:
- Nem começamos a nossa pesquisa e
você já vai começar com estas reclamações de menina “fresca”? Temos que fazer
algum sacrifício para conseguir o que queremos.
-
O que você quer, Fhilos? Vai me contar agora qual é a sua intenção em decifrar
os livros dos Sacerdotes?
Ele
não sabia se aquela era a hora de contar sua história, pois acabaram de se conhecer.
Mas Sofie tinha uma coisa que ele não sabia explicar, que o deixava tranquilo e
seguro para poder revelar seus sentimentos. E como eles já estavam naquela
situação, então resolveu dizer:
-
É que preciso encontrar algum livro de magia, que tenha um feitiço bom para me ajudar
a entrar nessa nova fase da vida (cento e oitenta luas brilhantes de vida) com
maior capacidade para dominar as forças e armadilhas de minha mente. Afinal, eu
sou um priamense, nasci para ser um guerreiro. Não quero viver o resto de minha
vida num mundo de tormentas produzido por minha imaginação. Isso causaria muito
desgosto a meus pais. Eu seria um fracasso de filho.
Com
um olhar de surpresa, a menina não sabia o que dizer e começou a procurar a
solução para ajudar o amigo. Por isso, ela ficou um bom tempo sem se comunicar,
até que ele perguntou:
-
Leu e encontrou alguma coisa parecida com o que eu procuro?
-
Ainda não, mas estou lendo uma história bem interessante, que fala de um lugar
onde existem dragões que guardam tal livro Amarelo que contém todos os segredos
do mundo, “...e quem obtiver este livro
terá um grande poder que unirá os quatro reinos do Quarto Mundo, pois as
palavras que os olhos do escolhido soletrar, uma grande felicidade irá causar.”
O menino, imediatamente, estendeu as
mãos em direção à amiga e disse:
- Deixa-me ver isto, Sofie!
Após folhear por uns instantes aquela
história, exclamou:
-
Engraçado!
Ela muito curiosa, questionou:
-
O que foi, Fhilos?
- Sofie, durante todo o tempo que eu
estive aqui, nunca tinha visto este livro. Onde você o encontrou?
-
Eu o achei caído aqui atrás deste velho baú.
Chamou-me a atenção porque estava cheio de cascas de ovos de lero-leros
em cima dele. A mãe dos animais deve tê-lo derrubado para poder fazer o seu
ninho.
-
Olhe, Sofie, ele é bem leve para o tamanho que tem. E o material que foi usado
para fazer ele é diferente, eu nunca vi nada assim antes.
-
Nem eu! Posso levar para ler com calma
em minha casa? Amanhã te conto toda a história que ele traz.
-
Está bem! Só preciso anotar no registro de saída da Biblioteca e dizer a meu
pai que um livro do porão foi emprestado. Mas, não vai querer ler os livros dos
Sacerdotes?
- Outra hora. Vou
procurar primeiro te ajudar. Afinal, teremos muito tempo para ler em éfiros.
Ela
nem mais conseguia prestar atenção no que o menino dizia. Disse um rápido adeus
e subiu as escadas correndo para procurar sua tia Zoe e contar as novidades.
O
jovem permaneceu por mais algum tempo vasculhando o labirinto subterrâneo à
procura de livros que eles ainda não haviam investigado.
Zoé
estava na cozinha preparando a sopa de carapá que a sobrinha adorava. Esta sopa
era uma mistura de ervas cítricas as quais eram encontradas no alto das
colinas. Mas estas plantas só nasciam em locais onde as nuvens encontravam o
chão. Muitas vezes, Sofie acordava bem cedo para ir com a mãe observar onde as
nuvens encontravam o chão para colher as ervas. Estas eram misturadas com
raiz-de-ló amarelo, que tinham um gosto adocicado. Após algum tempo de
cozimento, estava pronto o delicioso Carapá. Quando a menina chegou e sentiu o
cheiro, foi logo abraçando a tia e dizendo:
-
Que surpresa boa a senhora me preparou. Mas também tenho uma surpresa. Olha o
que eu e o Fhilos encontramos na biblioteca.
Entregou o livro nas mãos
da mulher e continuou ansiosa falando:
- Tia,
qual foi a magia usada para fazer este livro? O material de que ele foi feito
eu não conheço. Também está escrito nele uma história estranha de um mundo de
Dragões e...
- Calma, Sofie! Deixa-me ver.
A mulher ficou um tempo lendo, observando e
falou:
- Minha querida, este é o livro sagrado de
Zemm, um Sacerdote da Sabedoria que tinha o poder de conversar diretamente com
os deuses. Mas, dizem que as histórias que ele contava não passavam de
imaginação de sua mente. Comenta-se que de tanto ficar em contato com os
deuses, ele acabou se sentindo o melhor e mais importante ser que existia no
Quarto Mundo. Então, os outros sacerdotes passaram a ignorar as suas palavras.
Viviam dizendo que ele havia perdido o controle da mente e tinha ficado
louco. As antigas feiticeiras contavam
que ele estava arrependido e mudara o seu jeito de ser, mas quando isso
aconteceu, já era tarde, pois estava bem velho e solitário. Veja que ele nem
foi escrito em éfiros, pois o velho já nem devia mais conseguir dominar essa
escrita.
Após aquele jantar e a longa conversa que
teve com Zoé, a menina foi para o quarto a fim de ler aquela história que
acabou de encontrar. Folheou aquelas páginas, até o sono embaralhar os seus
pensamentos.
No dia seguinte, Fhilos
estava um pouco indisposto, pois passou a noite em claro só pensando no que
seria aquela história. E o que mais o
intrigava era que, após ter passado tanto tempo andando por aquele porão nunca ter
visto aquele livro estranho.
Deu o horário e a feiticeira ainda não tinha
aparecido ao encontro combinado, deixando Fhilos ansioso e muito nervoso.
Quando já estava na hora de terminar o
trabalho e rumar para casa, Sofie apareceu graciosa como sempre. Estava
exalando o seu ar felino, dizendo em um tom chantagista:
- Vim te buscar para jantar comigo. Olha! Só
te conto a história se você aceitar.
Fhilos, sem olhar diretamente para ela e não
deixando transparecer seu nervosismo, perguntou:
- E tenho outra opção?
- Por que o mau humor, garoto? Vim te fazer
um convite e você me trata assim?
- É que você me deixou esperando sem dar
nenhuma explicação. - ela não esperava aquela atitude do amigo e ficou sem ação.
Ele continuou:
- Ajude-me a fechar as
portas da biblioteca para podermos ir. O que vamos comer?
- Ensopado dos lero-leros
que você encontrou no porão. Ou está com medo deles?
Ambos começaram a rir e
saíram apressados para o jantar, pois a tia Zoé já devia estar colocando os
pratos a mesa.
Durante aquele jantar, todos se divertiram
muito. Zoé contou muitas de suas bagunças feitas quando era aprendiz de
feiticeira. A mãe de Sofie comentou as peripécias que a filha fazia usando os
feitiços para iniciantes.
Fhilos ouvia todas aquelas histórias com muita
atenção. Também contou para todos como foi o ataque dos lero-leros, e outras
histórias. Mas, o que o deixou mais intrigado foi quando a tia de sua amiga leu
o que continha naquele livro misterioso, pois ele sentia que aquele assunto
narrado tinha alguma coisa a ver com sua vida.
Naquela noite, ele não conseguiu dormir
direito. Sempre que conseguia passar por algum sono, logo era atormentado por
pesadelos que o deixava tremendo e suando frio de medo, pois pareciam reais.
Sonhou que estava preso entre as garras do dragão Negro e prestes a ser
esmagado por aquela fera a qualquer momento. Também teve um sonho que estava
dentro de um livro Amarelo tentando entender o que estava escrito, mas as
sílabas mudavam de lugar o tempo todo. Com isso, era impossível que ele
decifrasse o que estava escrito. Aquela foi uma noite agitada e cansativa, que
se refletiu durante o dia todo.
Philos não compareceu à biblioteca se
queixando de cansaço e dor de cabeça, deixando assim, Héctor e Tomisa
preocupados.
Durante aquele dia, ficou no quarto lendo o
seu livro de lutas. Treinava golpes, fazia alongamentos e só parava para
lanchar e ver um pequeno resno voador fazer sua casa no canto da parede,
próximo ao teto. Sempre que via aquele pequenino animal ficava intrigado com o
tamanho dos olhos que ele tinha. E pensava por que aquele bicho tão pequeno
possuía olhos grandes.
Em seu quarto havia uma cama enorme com um
colchão feito de molas mágicas. Ele foi encomendado a um velho Mago que morava
próximo às colinas, onde as nuvens encontram o chão. Quando se deitava naquela
cama, a sensação era de que o corpo estava flutuando, por ser o colchão tão
macio e confortável.
Debaixo de uma grande janela de vidros escuros
que ficava de frente para a cama, encontrava-se uma grande almofada azul real,
usada para fazer relaxamento da mente. Bastava sentar-se nela com as pernas
abertas e os pés se cruzando, que a mente logo entrava em sintonia com os sons
emitidos pelo Mensageiro dos Ventos. E era isso que Fhilos iria fazer, pois não
queria pensar mais em livros, magias, aniversários...
Sofie passou o dia todo com a tia exercitando
e decorando as magias brancas, que estavam no livro contendo o desenho do olho
na lateral. Ela tinha que devolver rápido, pois havia pegado emprestado na
biblioteca no dia em que conheceu Fhilos.
E veio mais uma noite angustiante para o
menino. Sonhou que ficava perambulando pelas ruas de Ágalos completamente
alucinado. Seu corpo estava todo modificado devido à grande quantidade de
músculos e cicatrizes. Quando olhou para uma janela, viu Sofie com a mão enorme
jogando um pó brilhante em cima de vários lero-leros. Nisso, os bichos foram
transformados em biscoitos salgados fedidos.
Antes do amanhecer, quando o sol ainda nem
mostrava seus raios cheios de energia e brilho sobre os telhados de Ágalos,
Fhilos já estava andando pelas ruas do reino em direção à estrada que levava ao
lar da amiga feiticeira. Era tão cedo que os moradores ainda estavam em suas
casas de pedras coloridas, dormindo. As cores das casas pareciam mais
vibrantes, devido a pouca intensidade dos raios do sol incidindo sobre elas.
Dizem que aquelas pedras fizeram parte do caminho que o deus Illium sempre
costumava pisar, no tempo em que ele andava pelo Quarto Mundo. Elas ficaram
coloridas por causa da grande quantidade de energia armazenada nelas. Cada cor emitia
um tipo de luz e energia ajudando assim, no equilíbrio mental dos moradores.
Sofie acordou com um barulho de um galho batendo
em sua janela. Quando a abriu, viu Fhilos fazendo sinal com as mãos para que
ela fosse encontrá-lo no jardim, bem em frente à porta de entrada da varanda.
Aquela casa só era parecida com as outras do
reino no que se referia às pedras coloridas. No mais, era muito diferente, pois
fora projetada para ser uma casa de festas. Possuía três grandes cômodos
protegidos por um telhado vermelho carmim, que se estendia até à parte de fora
da casa, formando uma ampla varanda. Entre as pedras coloridas das paredes,
nasciam vários tipos de flores e arbustos. À frente da casa, havia um belo
jardim com árvores retorcidas de porte médio. Bem no centro deste jardim, foi
construído um coreto de madeira toda recortada por desenhos simbólicos antigos. Tudo isso, dava um aspecto todo místico e
mágico àquela moradia. Enfim, um lugar perfeito para uma feiticeira morar.
Sofie saiu correndo para saber o que ele
queria àquela hora:
- Aconteceu alguma coisa?
- Calma, eu só vim te procurar porque resolvi ir
buscar o livro Amarelo. Quero saber se você irá comigo.
- Não estou te entendendo, Fhilos!
- Sofie! Preciso buscar uma solução para os
meus pesadelos. Já faz duas noites que não durmo. E alguma coisa me diz que a
resposta para o meu problema está naquele livro.
- Mas é só uma história! Nem sabemos se aquele
lugar realmente existe - argumentou a menina.
Ele já estava ficando nervoso com a descrença
dela e esbravejou:
- Vou descobrir com ou sem você!
- E como vai fazer isso? - perguntou
calmamente, a feiticeira.
- Amanhã bem cedo partirei em busca do Reino
dos Dragões.
- Não acredito que você irá agir sem...
Ele nem deixou Sofie completar o que estava
falando, disse um adeus sem olhar para trás. Sofie ficou parada sem saber o que
dizer ou fazer. Então, concluiu que aquela atitude impulsiva já deveria ser um reflexo
do conflito na mente do amigo. Afinal, o
aniversário dele estava bem próximo.
Naquela noite ele não se preocupou em dormir,
ficou arrumando as coisas que precisava levar na viagem. Fhilos pegou o livro
de Arte das lutas e algumas ervas para fazer chás curadores em caso de
necessidade. Foi à cozinha e pegou também alguns biscoitos, pães, frutas, doces
de Cupu (era o seu doce preferido). Procurou por um cantil com água e colocou
tudo dentro de uma mochila de couro de atrós.
Ao amanhecer, saiu deixando um bilhete para os
pais dizendo que não precisavam se preocupar, pois ele iria ao encontro de seu
destino. Logo que necessitava conseguir algumas respostas e breve retornaria.
Quando estava passando perto da casa de Sofie,
ouviu uma voz.
- Não está esquecendo nada? Vai seguir viagem
sem levar o livro?
- Ah! Oi, Sofie! Obrigado. Estava me
esquecendo dele.
Com um jeito gracioso, Sofie continuou:
- Fhilos, será que você ainda vai precisar de
alguém, para te contar histórias mágicas e também, fazer companhia?
Ele com uma expressão de satisfação, disse no
meio de um sorriso:
- Isso quer dizer que você vai comigo?
- Claro! Não perderia isso por nada.
Eles se abraçaram alegres, dando início, assim
a uma longa jornada rumo ao Reino dos Dragões.
Conhecendo
o Reino de Helai
Ambos sabiam que para entrar no Reino dos
Dragões primeiro teriam que passar por Helai, ao norte do Quarto Mundo.
Precisavam pegar um pouco da terra no jardim do Templo do Poder, pois o livro
ensinava que, “... e na terra do povo do
norte, proteção e segurança, em seu jardim, irão buscar. A terra abençoada do
templo não os queimará.”
Andaram horas e horas. Somente quando a fome e
a sede os perturbavam é que paravam para descansar. Afinal, queriam chegar a
Helai antes do pôr do sol.
Quando avistaram os portões do reino do norte,
encheram-se de alegria e logo correram para entrar, antes que os protetores
fechassem a entrada.
O reino de Helai era cercado por uma grande
muralha de pedra dourada que mais parecia uma fortaleza. Na entrada, grandes
portões de ouro exibiam a imponência do lugar. Os Helaienses viviam em função
do comércio e do acúmulo de riquezas. Todos se preocupavam com o bem estar
material. Quem não fosse rico, significava que não estava em sintonia com o
elemento terra. Então, era considerado amaldiçoado pelos deuses.
Quando Fhilos e Sofie passaram pelos portões
do reino, ficaram encantados com a beleza e riqueza do lugar. As casas eram
feitas do mesmo material dourado usado para fazer as muralhas. Para todo lado
que eles olhavam, viam grandes portas abertas e, lá dentro, estavam cheias de
todo tipo de materiais necessários para se utilizar, como: roupas coloridas,
livros, potes, jóias, tapetes, ervas...
As pessoas iam e vinham de todos os lados e
partes do Quarto Mundo, a fim de comprar aqueles produtos.
Fhilos perguntou a um ancião, que estava
sentado ao lado de uma banca de roupas, onde poderia encontrar o Templo do
Poder. O homem fez um sinal com as mãos apontando em direção ao centro do
local. Eles saíram apressados, pois queriam logo pegar a terra para seguirem
viagem. Iriam para o reino do oeste assim que o dia clareasse, evitando assim,
o encontro com as sombras do mal que estavam sempre à espreita quando
anoitecia.
Quando chegaram à parte central de Helai,
ficaram encantados com o tamanho e beleza do Templo do Poder. Este fora
construído no formato de um quadrado, que simbolizava a solidez do elemento
terra. Ao redor do Templo estava o jardim com suas árvores compridas e robustas.
E bem ao meio se encontrava uma fonte com uma estátua de um Sacerdote da
Sabedoria. Ele estava segurando um pote inclinado, o qual jorrava de seu
interior uma terra negra, constantemente.
Sofie colocou suas mãos embaixo daquele jato
de terra que saía da estátua para sentir a textura daquela terra diferente,
enquanto Fhilos colhia um pouco daquele elemento sagrado e guardava dentro de
um pote pequeno com uma tampa. Logo em seguida, envolveu todo o objeto com um
pano amarelo e o guardou em sua mochila.
Naquela noite, ele precisava dormir, pois não
conseguiria caminhar na manhã seguinte se não descansasse. Ela também estava
cansada e com fome. Então, resolveu fazer alguns truques de magia branca para
poder transformar alguma coisa, em alimento. Nisso, sentou-se em um banco,
abriu a mochila tirando uma caixa repleta de larvas e casulos de insetos.
O menino ficava só observando meio incrédulo.
Ela continuou seu ritual abrindo um pano
branco sobre o colo e colocando os insetos em fase de desenvolvimento, por cima.
Fechou os olhos, ergueu as mãos sobre o pano e pronunciou:
- Energias
vêm energias vão. Coloque o que eu desejo em minhas mãos.
Em seguida fechou o pano e tornou a abrir.
Imediatamente, apareceram sobre o seu colo vários pãezinhos cheirosos e macios
de variados sabores e recheios.
Fhilos, boquiaberto, falou:
- Nem pense que eu vou comer isso. Prefiro
comer os lanches que eu trouxe de casa.
Sofie
começou a rir e a saborear seus deliciosos quitutes. Enquanto isso, Fhilos
conversava com alguns Sacerdotes pedindo permissão para passar a noite naquele
local.
Quando entraram no Templo, sentiram uma
energia tranquilizadora que emanava dentro daquele recinto. O elemento terra
que Helai recebeu de presente ficava em um altar dentro de um pote todo cercado
e iluminado por quatro grandes velas quadradas. Elas eram mais ou menos do
tamanho dos meninos e foram feitas nas cores vermelha e azul. As paredes
internas do lugar eram ornadas com símbolos feitos de ouro. Perceberam então, que
eram iguais aos rabiscos azuis que existiam na pedra angular da biblioteca de
Ágalos.
Passaram a noite no Templo. Acordaram felizes
e bem dispostos, pois conseguiram dormir sem nenhuma perturbação. E assim que o
sol intensificou o brilho dos muros de Helai, ambos partiram rumo ao oeste, à
procura do reino da Água da Vida, pois o livro ensinava que “... a água a qual jorra na pedra em terra árida, irão buscar.
Todos os males do corpo ela envolverá. Terra e água se unirão, o veneno do
mestre não os alcançarão”.....
A continuação se encontra no www.amendoasverde.com.br
Acesse sessão aventura: Título O Quarto Mundo
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